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Se Kardec voltasse hoje, poderia retomar o Espiritismo e responder as dúvidas do Século 21? Um manifesto pelo restabelecimento da ideia espírita

2/21/2022

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Lucas Sampaio
Paulo Henrique de Figueiredo
Júlio Nogueira

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Desde o século passado, duas grandes forças dominam as massas, a religião dogmática e o materialismo. No século 19, porém, Allan Kardec seguiu um terceiro caminho para instituir o Espiritismo. Em 1857, a França ainda vivia as luzes da psicologia espiritualista e do Espiritualismo Racional, por disciplinas que, afastadas do dogma religioso e do materialismo filosófico, haviam se estabelecido como conhecimento oficial na Universidade francesa e eram ensinadas nos liceus. Segundo Allan Kardec, foram essas circunstâncias extremamente favoráveis que permitiram que o Espiritismo surgisse como uma ciência filosófica e fosse tão facilmente aceito, sobretudo em sua teoria moral.

Na estatística elaborada por Kardec dez anos depois (RE67), ele constatou que a grande maioria dos espíritas (70%) tinha conhecimento do Espiritualismo Racional e adotava a teoria moral autônoma, ou seja, a de que o ato moral é consciente, racional e desinteressado. Uma parte menor vinha das religiões tradicionais (15%) e do materialismo (15%), mas estavam livres dos dogmas e abertos ao conhecimento. Estes últimos precisavam superar o paradigma moral falso dos castigos e recompensas da heteronomia ou submissão moral. Tendo a referência da autonomia intelecto-moral, os grupos auxiliares na elaboração da doutrina, que chegaram a mais de mil, compreenderam a ideia da evolução de todos os espíritos pela responsabilidade de sua livre escolha.

O pensamento dos espíritos superiores representava a harmonia das leis naturais que rege o universo desde sempre. Dialogando com estes, com o auxílio dos grupos, as pesquisas do prof. Rivail visavam refletir essa harmonia por meio de uma sólida unidade de princípios, que seria a maior força do Espiritismo, impedindo os cismas e apontando para a perpetuidade da doutrina. A tríplice unidade doutrinária (de princípios, de método e de organização) viria a ser um dos temas centrais das viagens espíritas que Kardec realizou a partir de 1860 para conhecer e orientar pessoalmente alguns dos grupos.

Para elaborar uma teoria cuja essência fosse fundamentada nas leis universais, Rivail precisou criar uma metodologia própria, o que fez de forma conjunta com espíritos superiores. Trata-se da universalidade do ensino dos espíritos. Os temas e dúvidas eram debatidos pelos espíritas, numerosas comunicações de diversos espíritos dando suas opiniões eram recebidas, as várias hipóteses para cada questão eram apresentadas na Revista Espírita. Quando o tema estava apropriadamente amadurecido, pelas opiniões dos homens e dos espíritos, e chegada a hora adequada para o entendimento de sua resolução, os espíritos superiores apresentavam universalmente o conceito fundamental, ou seja, comunicando-o por diversos espíritos, por diversos médiuns em diferentes grupos. Allan Kardec, ao perceber essa universalidade conceitual sobre o tema, analisava racionalmente a ideia e verificava sua compatibilidade com o núcleo da teoria fundamental já estabelecida inicialmente desde O Livro dos Espíritos. Por esse método, os conceitos fundamentais ampliavam progressivamente a teoria espírita. Foi a chamada “fase de elaboração” do Espiritismo, na qual esses procedimentos foram conduzidos pessoalmente por Kardec, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Nessa organização, voltada para os estudos e pesquisas, não havia qualquer espécie de subordinação ou dependência a uma instância superior de poder. Nem mesmo a Sociedade Parisiense possuía qualquer hegemonia sobre os demais grupos, a não ser uma autoridade científica, moral e filosófica. Coerentes com uma proposta científica e de moral livre (teoria da moral autônoma), a adesão aos princípios e a cooperação eram sempre voluntárias. A esse respeito, explica Kardec que "os espíritas não formam em nenhuma parte um corpo constituído; não são arregimentados em congregações obedecendo a uma palavra de ordem; não há entre eles nenhuma filiação patente ou secreta; eles sofrem muito simplesmente e individualmente a influência de uma ideia filosófica" (RE68).

Quando a fase inicial, conduzida pioneiramente por Kardec, já havia definido a base fundamental da doutrina, era preciso estabelecer uma estrutura permanente. Sendo o Espiritismo uma ciência dinâmica e que demanda aprofundamentos e atualizações para manter sua força, seria essencial uma organização que garantisse a manutenção da unidade e o progresso das pesquisas. Nessa nova fase, sua condução deveria ser coletiva, sendo que a dependência exclusiva do fundador foi uma condição apropriada, necessária e inevitável somente na fase inicial. Nesse contexto, os grupos interessados nas questões espíritas, além de compreender a unidade de princípios, também precisariam compor essa nova organização, com maiores responsabilidades. 

Documentos inéditos obtidos em Paris e apresentados na obra Nem Céu nem Inferno - as leis da alma segundo o Espiritismo demonstram que Kardec, em seus últimos meses de vida, planejou em detalhes essa organização, que inauguraria a “fase de direção coletiva” do Espiritismo. Tratava-se de uma admirável e inovadora estrutura de hierarquia invertida com barreiras às ambições pessoais, sem um poder absoluto concentrado nas mãos de poucos. Haveria um comitê central com atividades compartilhadas em grupo e controlado por uma assembleia geral composta por representantes de grupos de todo o mundo, cada um deles em contato com os espíritos dedicados à criação da doutrina espírita. A continuidade da elaboração da teoria seria atividade coletiva da assembleia, mantendo o método da universalidade em sua relação com os espíritos. Já o comitê central estaria dedicado a questões administrativas do Espiritismo, e Rivail, em seus planos, pretendia participar apenas como um dos membros do comitê e da assembleia.

Nos últimos anos, Kardec já preparava essas mudanças, anunciando sua proposta, publicando textos prévios sobre a unidade da organização na Revista Espírita. A comunidade dos espíritas ansiava esse momento, inclusive fazendo arrecadações para sua implantação, após a transferência da sede da Passagem Sainte-Anne para a Villa Ségur, onde se instalariam as estruturas do Espiritismo, como o comitê central e a assembleia, e a inauguração da livraria e escritório da Revista Espírita na Rua de Lille.

Infelizmente, todo esse processo foi interrompido pela desencarnação do Professor Rivail e por um terrível golpe iniciado por indivíduos próximos a ele, que convenceram sua viúva Amélie Boudet a abrir mão do poder sobre toda a estrutura do Espiritismo (obras da Codificação, Revista Espírita e Livraria Espírita) em favor de uma empresa (a Sociedade Anônima da Caixa Geral e Central do Espiritismo), de índole exclusivamente comercial e com estrutura heterônoma. Em seguida, contrariando Kardec, a Sociedade Parisiense e os demais grupos, que aguardavam a execução dos planos do fundador, foram afastados da estrutura do Espiritismo, dominada pelos donos da Sociedade Anônima. O projeto de direção coletiva do Espiritismo foi totalmente abandonado. Estava quebrada a unidade de organização coletiva e de método da universalidade do ensino dos espíritos.

Mais grave ainda foram as adulterações nas obras O Céu e o Inferno e A Gênese, além das influências externas na Revista Espírita, que introduziram ideias dogmáticas heterônomas, de origem religiosa e materialista, opostas à moral autônoma própria da teoria espírita original, resultando numa quebra da unidade de princípios da doutrina, o que ainda hoje prevalece. Além disso, num contexto histórico mundial, o pensamento espiritualista racional foi expulso da Universidade e da cultura por sucessivas investidas políticas, religiosas e até do meio científico materialista, interessados na manutenção das ideias do velho mundo, com foco no interesse econômico propiciado pela revolução científica.

Sob a influência de diversas ideologias e teorias morais, sobretudo religiosas e materialistas, e sem um centro de referência que mantivesse as pesquisas sobre as bases originais da doutrina, o movimento espírita foi se afastando da unidade doutrinária e, por consequência, também se fragmentou, vendo surgir diversos cismas e dissidências em que geralmente predominam o misticismo, o fanatismo religioso, o ceticismo materialista e relações políticas baseadas no princípio de autoridade. Mesmo entre os mais instruídos, a maioria até hoje ignora a importância das ciências filosóficas para a compreensão do Espiritismo, que delas é o desenvolvimento.

Nos últimos anos vem ocorrendo uma recuperação sem precedentes da história e das ideias espíritas. Descobertas agora todas essas fraudes e reafirmada depois de quinze décadas a teoria moral original, é natural, entre aqueles que despertam, a vontade de implementar o plano de Kardec para a fase de direção coletiva do Espiritismo e retomar junto aos espíritos o trabalho de pesquisa e produção doutrinária.

Todavia, isso ainda não é possível, pois, além da quebra dos princípios, vivemos em um momento completamente diferente, formados e mergulhados em valores heterônomos (moral da submissão), de modo que qualquer estrutura será exercida segundo as teorias do velho mundo. Ocorreu também um abandono das práticas mediúnicas visando a pesquisa conceitual. Há um longo caminho para a recuperação de toda a teoria e a prática originais que se perderam, como a base espiritualista racional e psicológica, o diálogo com a diversidade dos espíritos, o debate das hipóteses entre encarnados e desencarnados, a mediunidade absolutamente desinteressada etc.

Diante de todas as recentes descobertas, a tarefa dos espíritas de hoje e das próximas gerações é a do restabelecimento, que se desenvolverá pelo processo científico, de estudos, artigos e debates para recuperar a definição clara dos princípios estabelecidos originalmente, livre de dogmas e desvios. Esse processo precisa ser secundado também pela recuperação das bases conceituais do Espiritismo, como a psicologia espiritualista, o Espiritualismo Racional e a teoria do magnetismo animal. A mediunidade deverá ressurgir nos moldes do absoluto desinteresse, próprio do método espírita. As comunicações deverão ser concebidas como opiniões dos espíritos e não a de oráculos ou profecias. Em seguida, após a recuperação dessas sínteses doutrinárias, uma ampla divulgação poderá surgir, por meio de obras didáticas e de divulgação científica. Essa recuperação será universal, pois o Espiritismo trata de um conhecimento que pertence às leis da natureza, interessando ao progresso moral da humanidade.

Iniciando pela adequada compreensão da ideia de autonomia intelecto-moral, a realização desse trabalho dependerá de grande abnegação de personalidade e do mais absoluto desinteresse pessoal para reunir harmonicamente os diferentes grupos em torno do mesmo ideal. Cada espírita deve perceber-se como pequena peça de uma enorme engrenagem, diminuindo sua importância individual, porque o Espiritismo é maior do que todos nós deste planeta, encarnados e desencarnados, sendo o pensamento da humanidade universal, em todos os tempos.

É manifesto que aqueles interessados pelo pensamento revolucionário das ideias espíritas possuem a missão de restabelecê-las. E somente a partir da recuperação gradual desse conhecimento, fundamentado nas leis naturais, será retomada a uniformidade de entendimento que instaura espontaneamente uma nova postura metodológica, moral e social. Por fim, surgirá naturalmente uma nova organização para a pesquisa do Espiritismo. Serão novos tempos, e então os espíritos superiores poderão utilizar essas novas condições para revisitar sua doutrina e comunicar novos princípios. Essa conquista, porém, não será de um grupo, mas da humanidade, pois a revolução moral é um fato natural pelo qual todos os rios, riachos e ribeirões do pensamento humano desaguarão inevitavelmente no oceano do bem.

Lucas Sampaio, Paulo Henrique de Figueiredo e Júlio Nogueira são pesquisadores, escritores e palestrantes espíritas nas cidades de Salvador-BA e São Paulo-SP, tendo trabalhado juntos na obra Nem Céu nem Inferno, as leis da alma segundo o Espiritismo (ed. FEAL, 2020).

Artigo originalmente publicado no
Jornal Opinião (edição de jan/fev-2022). Acessível pelo link https://ccepa.org.br/jornais/janeiro-e-fevereiro-2022/


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Nem Céu nem inferno – As leis da alma segundo o Espiritismo

3/3/2021

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Por Paulo Henrique de Figueiredo
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Depois dos fatos comprovados pelos documentos encontrados por Simoni Privato na Biblioteca e nos Arquivos Nacionais da França demonstrando que a obra A Gênese teve uma edição alterada após a morte do autor, professor Rivail e também o livro O Céu e o Inferno foi adulterado em sua quarta edição pelo mesmo motivo. O advogado e pesquisador Lucas Sampaio, numa pesquisa minuciosa em Paris, encontrou os documentos:

“Como minha primeira meta era buscar os registros da quarta edição de O Céu e o Inferno, entrei na sequência dos livros de depósito legal do ano de 1869. No primeiro deles, que chegava à data de desencarnação de Kardec (31 de março), nada encontrei. Decidi avançar. Era tanta coisa a ler, com meticulosa atenção, que decidi trabalhar sem a obrigação de ter sucesso em encontrar todos os documentos. Vi que o importante seria calma, desprendimento e concentração. Depois de seis horas, estava consultando o terceiro livro, número 124. Eles são numerados sequencialmente desde o número 1, de 1810, quando Napoleão instaurou a censura. Foi nesse livro, restando pouco mais de uma hora de trabalho desse primeiro dia, que encontrei o depósito legal n. 5.819, da quarta edição de O Céu e o Inferno, registrado em 19/7/1869, à página 117 do documento F/18(III)/124”.

O resultado dessa ampla pesquisa está relatado na obra Nem Céu nem inferno – as leis da alma segundo o Espiritismo, publicado pela editora FEAL. Quando a notícia de que a publicação da quarta edição não foi com Kardec em vida, a União espírita francesa e francófona e a Confederação espirita argentina, publicaram imediatamente a versão original da primeira edição da obra respectivamente em francês e em espanhol. A versão em inglês e português sairão nos próximos meses. O movimento espírita do mundo inteiro se mobilizou para restabelecer o conteúdo original.

Allan Kardec, em trechos retirados, mas agora recuperados depois de 150 anos, diferencia a moral espírita, baseada na lei natural, e a moral das religiões ancestrais:

“Na ausência de fatos apropriados para definir sua concepção acerca da vida futura, os homens deram curso à sua imaginação e criaram essa diversidade de sistemas de que compartilharam e que compartilham ainda as crenças. A doutrina das penas eternas está nesse número. Esta doutrina teve sua época; hoje ela é repelida pela razão. Que colocar em seu lugar?”

O Espiritismo vai deduzir a moral pelo método científico, afirma Kardec, por meio dos ensinamentos dos espíritos superiores como também pelo diálogo com milhares de espíritos nas mais diversas situações da vida futura:

“As leis que daí decorrem são deduzidas apenas da concordância dessa imensidade de observações; esse é o caráter essencial e especial da doutrina espírita86. Jamais um princípio geral é retirado de um fato isolado nem da afirmação de um único Espírito, nem do ensinamento dado a um único indivíduo, nem de uma opinião pessoal”.

Ou seja, baseados no senso comum, os dogmas foram criados imaginando-se um Deus vingativo, castigando os espíritos por sofrimentos e privações tanto no mundo físico quanto no espiritual. Uma condenação eterna para os desobedientes!

O Espiritismo demonstra que todos os espíritos são perfectíveis pelo seu próprio esforço, desde a primeira encarnação humana, simples e ignorante, sem livre arbítrio nem responsabilidade moral, que são conquistas graduais no esforço em milhares de vidas. Desse modo, quando compreende o que é o mal e o bem, surge a responsabilidade pelos atos. Quando o ato é de acordo com a consciência, o sentimento íntimo é de felicidade. Quando faz o mal, sente uma infelicidade, sofrimento moral que só acaba quando o espírito supera, de forma consciente, séria e efetiva sua imperfeição, retornando sinceramente ao bem, explica Kardec em trechos recuperados da edição original.

Na vida futura, não há um local destinado a fazer sofrer o espírito culpado, pois a infelicidade é um sentimento íntimo que o acompanha onde for. Já o espírito que age no bem é feliz onde estiver. Tudo depende de nossas escolhas, e a felicidade é o destino inevitável de todas as criaturas. Esse Universo, reunindo mundo físico e espiritual, representa a esperança para a humanidade. Compreendendo essas leis naturais, podemos compreender nosso destino, e construir um caminho seguro para a paz no mundo. Já está escrito em nosso destino: seremos felizes, pela conquista de nosso esforço e mérito!
 
Paulo Henrique de Figueiredo é autor de obras de sucesso como Mesmer- a Ciência Negada do Magnetismo Animal e Revolução Espírita- a Teoria Esquecida de Allan Kardec, Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo e seu mais recente livro Nem Céu Nem Inferno-As leis da alma segundo o Espiritismo. Além de pesquisador e escritor e palestrante é comunicador da Rádio Boa Nova e TV Mundo Maior, emissoras da Fundação Espírita André Luiz, nas quais apresenta os programas Livre Pensamento e Revolução Espírita


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Breve exame dos estatutos da FEB

7/6/2020

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BREVE EXAME DOS ESTATUTOS DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA (1883-1924). MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO INICIAL. INCLUSÃO DE ROUSTAING SÓ REALIZADA NA REFORMA ESTATUTÁRIA DE 1917.  CRIAÇÃO DE SISTEMA DE PODER EXCLUSIVISTA QUE NÃO NASCE DO CONSENSO ENTRE AS INSTITUIÇÕES ESPÍRITAS, MAS QUE SE PRETENDE IMPOR DE CIMA PARA BAIXO.
Por Júlio Nogueira
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Qualquer pessoa com tempo disponível e alguma dose de perseverança poderá ter acesso aos Estatutos da Federação Espírita Brasileira (FEB), e suas alterações/reformas, pois eles se encontram arquivados no registro público do Cartório de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro, e, também, disponíveis na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro através do arquivo da publicação de seus extratos no Diário Oficial e em “O Reformador”.

O exame desses estatutos elaborados pelos fundadores da FEB e aqueles decorrentes das sucessivas reformas sofridas mostra claramente uma mudança de direcionamento através de movimento executado em 03 (três) atos: I) eliminar dos Estatutos a necessidade dos estudos das correlações entre o Espiritismo e as Ciências Físicas, Naturais e Morais; II) a determinação oficial de dar equivalência aos estudos das obras de Roustaing às de Kardec e III) a criação de um sistema de poder exclusivista.

No momento de fundação da Federação Espírita Brasileira (FEB) esta fez registrar seus estatutos em registro público, e, também, fez publicar um extrato deste em “O Reformador” de março de 1893. Neste instrumento de constituição da FEB, a instituição manifesta entre outras questões o desejo de estudar, também, as correlações entre o Espiritismo e as Ciências Físicas, Naturais e Morais (art. 2º, Inc. VIII).[1]  É fácil notar que, do ponto de vista administrativo, a FEB se apresenta como mais um centro espírita fundado àquela época na capital da República, sem qualquer evidência de que pretendesse se estruturar como um sistema ou estrutura de poder, ou mesmo como órgão de cúpula do Espiritismo no país, até mesmo porque a própria FEB reconhece a existência de outras instituições como ela de representações nacionais (art. 2º, Inc. IX).[2] É importante registrar que não há qualquer referência a Roustaing nos estatutos de fundação da FEB.

Após período de grande dificuldade financeira, a FEB foi presidida por Bezerra de Menezes de 1895 até sua desencarnação em 1900, mas no período de sua presidência não houve reforma dos estatutos, ao contrário do que muitos pensam.

A 1ª revisão do estatuto só veio ocorrer em 1901, sob a presidência de Leopoldo Cirne, e nesta revisão foi abolido o desejo de estudar as correlações entre o Espiritismo e as Ciências Psíquicas, Naturais e Morais, passando a contemplar apenas o estudo das “obras fundamentais de Allan Kardec, ou outras subsidiárias e complementares” (art. 2º, §1º).[3] Note-se ainda que não há no estatuto reformado qualquer referência expressa a Roustaing ou à necessidade de estudar sua obra, podendo ser ela, quando muito, enquadrada como de natureza subsidiária ou complementar aos estudos realizados. Por outro lado, é importante destacar que nesse estatuto reformado de 1901 a FEB manifesta o desejo de inserir-se no movimento espírita universal estabelecendo como objetivo atuar junto às diversas associações espíritas existentes no Brasil e no exterior (art. 1º, §2º) [4], prestando-lhes, sempre que desejarem, o apoio na defesa perante os poderes públicos (art. 3º)[5], sem, todavia, apresentar qualquer pretensão de criar uma estrutura de poder em torno de si.

A 2ª revisão do estatuto ocorreu em 1905, ainda sob a presidência de Leopoldo Cirne, e nessa revisão foram mantidos em linhas gerais os mesmos dispositivos da reforma anterior do estatuto de 1901 com acréscimos quanto aos esboços iniciais de uma estruturação de poder. Quanto ao viés doutrinário, continuou a contemplar a necessidade de estudo das obras de Allan Kardec sem menção expressa às de Roustaing, apenas diferindo do texto que constava dos estatutos da reforma de 1901 quanto à troca de duas preposições, pois na 1ª revisão falava-se em estudar as obras de Allan Kardec ou subsidiárias e complementares, mas agora na reforma de 1905 fala da necessidade de contemplar o estudo das “obras fundamentais de Allan Kardec e outras subsidiárias ou complementares” (art. 2º, §1º).[6] Essa pequena alteração pareceria sem sentido se não soubéssemos que o então Vice-Presidente da FEB aquela época – Aristides Spínola - era um excelente advogado, e por isso entendemos que não se tratava de uma simples correção de texto, mas de uma adequação de rumos para a FEB ser mais bem aceita pelas demais instituições espíritas que necessitavam de apoio judicial nos litígios em que se viram envolvidas a partir de 1904. Nesse período - aproveitando a ocasião em que médiuns curadores, receitistas e instituições espíritas passarem a responder criminalmente pela realização de curas violando o então Código Penal da República e o Regulamento Sanitário – a FEB coloca-se à disposição das outras instituições espíritas para apoiá-las na assistência judiciária, responsabilizando-se pelos custos de advogados e, em algumas oportunidades, até pelas custas judiciais, inclusive, nos Tribunais Superiores que eram localizados na mesma cidade de sua sede, Rio de Janeiro, então capital da República (art. 3º)[7]. Com essa facilidade e a justificativa da assistência judicial, levados a efeito pelo então vice-presidente e advogado Aristides Spínola, a FEB aproveita a oportunidade das comemorações do centenário de nascimento de Allan Kardec em outubro de 1904 para realizar um congresso nacional e lançar um documento intitulado “Bases de Organização Espírita”[8], que era na verdade um esboço inicial de um sistema de estruturação de poder onde ela se responsabilizaria pela criação de braços estaduais e se colocava como órgão de cúpula do Espiritismo no Brasil, fato esse facilmente constatado através da leitura de novos dispositivos estatutários ali inseridos, que não encontram paralelo nos estatutos anteriores (arts. 68 a 71).[9]

A 3ª revisão do estatuto ocorreu em 1917, sob a presidência de Aristides Spínola, quando já bastante adiantado o movimento de criação e consolidação dos braços da FEB nos estados. Sob a justificativa de se adaptar ao então recém aprovado Código Civil, foram implementados diversos direcionamentos novos. Nessa revisão foi colocado em prática o movimento no sentido de doutrinariamente ombrear Roustaing a Allan Kardec, bem como o de finalmente legitimar o projeto de estruturação de poder da FEB. Veja-se que, quanto ao viés doutrinário, houve uma guinada significativa e sem precedentes nas revisões anteriores, pois houve a equiparação de importância de Allan Kardec a Roustaing, ao se contemplar a necessidade de estudo “das obras fundamentais de Allan Kardec, de J. B. Roustaing e outras subsidiárias e complementares” (art. 2º, alínea “a”)[10], além do que a FEB constituiu um capital para publicar e divulgar as obras de Kardec e de Roustaing (arts. 62 e 63).[11] Mas a joia da coroa estava justamente na inserção do Capítulo XVI, também sem precedentes nas revisões anteriores, denominado de “Da Organização Federativa” (art. 109 a 115).[12] Nele iremos encontrar a criação de um verdadeiro sistema de poder exclusivista em que a FEB se autointitula a cúpula do Espiritismo no Brasil e estabelece os meios de se perpetuar nesta situação.

A 4ª revisão do estatuto ocorreu em 1924, sob a presidência de Aristides Spínola, quando já totalmente consolidados os braços da FEB nos Estados. Nele iremos encontrar o desdobramento com detalhamento do sistema de poder exclusivista então criado pela FEB. Foram preservados os aspectos da reforma anterior e incluídos dispositivos que tiveram por objetivo criar um Regulamento para promover uma revisão geral nos atos de adesão das federações estaduais e instituições espíritas aderentes para cobrar mudanças nos estatutos dos filiados com vistas a sua adequação, sob pena de serem excluídas (art. 113 e art. 114).[13] Neste estatuto foi instrumentalizada no Capítulo XVII a criação de um “Conselho Federativo”. Um órgão composto pelos membros da Diretoria da FEB e representantes das federações estaduais, sendo a princípio um órgão consultivo, sem força vinculativa, mas, se acolhidas as suas proposições por unanimidade em consulta realizada individualmente e posteriormente pela Diretoria da FEB, tais deliberações tomam força vinculativa, passando a FEB a cobrar a sua implementação e eventual mudança nos estatutos das instituições adesas (art. 123, §2º).[14]

Como é sabido, dentre as numerosas proposições antidoutrinárias, as concepções roustanguistas pretendem descaracterizar o Espiritismo através de suas bases epistemológicas e éticas, afirmando este como uma religião, com dogmas e preceitos místicos, além de apresentar uma teoria moral heterônoma, semelhante à das religiões, o que representava um evidente retrocesso, senão um esvaziamento dos princípios espíritas, inclusive no que toca à sua teoria moral.

Portanto, essas revisões estatutárias realizadas nos primeiros 40 (quarenta) anos da FEB revestem-se de grande gravidade, porque através delas foram estabelecidas mudanças significativas do ponto de vista doutrinário, de princípios e de objetivos, em evidente desvirtuamento dos objetivos iniciais insculpidos em seu estatuto original pelos fundadores. Ademais, é possível identificar que nesse período, após nebulosas deliberações, foi implementado um sistema de poder exclusivista, hierarquizado e um tanto autoritário, que não nasceu do consenso entre as instituições espíritas - cujas opiniões foram ignoradas, mas que se pretendeu impor de cima para baixo, com o intuito de produzir no seio do movimento espírita uma hegemonia das ideias contidas na obra de Roustaing em detrimento das ciências filosóficas, da moral autônoma e do trabalho de Kardec.

Posteriormente, outras revisões foram realizadas no estatuto da FEB, modificando questões importantes e de grande significado para o Espiritismo no Brasil, mas isso deverá ser tema de outra abordagem porque foge dos nossos objetivos no momento.

Júlio Nogueira é Presidente do TELMA - Teatro Espírita Leopoldo Machado (Salvador – BA); Delegado Especial da CEPA – Associação Espírita Internacional; Advogado; Membro da ABPI – Associação Brasileira de Propriedade Intelectual e da LIDC – Ligue Internationale du Droit de la Concurrence
.


 Notas de rodapé 

[1] “Art. 2º. Nestes intuitos ella poderá:
...
VIII – Constituir-se antes do mais em reunião de estudos com o fim de discriminar as adaptações que possa ter o Spiritismo aos vários ramos dos conhecimentos humanos: sciencias physicas, naturaes e moraes.”

[2] “IX - Fazer-se presente por um ou mais delegados nas corporações de representação, nacionaes ou estrangeiras.”

[3] “Art. 2º. Na realização de seu programma, se utilisará a Federação dos seguintes meios de acção:
...
§1º Para o estudo, theorico e pratico, da doutrina realizará sessões, nos dias e pelo modo indicados no regimento interno, versando esse estudo sobre as obras fundamentaes de Allan-Kardec, ou outros subsidiários e complementares da revelação espirita, tendo em vista a sua progressividade e assegurada a liberdade de discussão”.

[4] “Art. 1º (...)
...
§2º Constitui-se, quer entre as associações spiritas do Brazil, quer entre estas e as suas congêneres no estrangeiro, o traço de união que estabeleça a sua solidariedade, integrando-se no movimento spirita universal (...)”.

[5] “Art. 3º. Para mais effectiva tornar a sua função como laço entre todas as associações federadas, a Federação lhes prestará todo o apoio ao seu alcance, na defesa de seus direitos e prerrogativas, junto dos poderes públicos, sempre que preciso for”.

[6] “Art. 2º. (...)
§1º Para o estudo, theorico e pratico, da doutrina realizará sessões, nos dias e pelo modo indicados no regimento interno, versando esse estudo sobre as obras fundamentaes de Allan-Kardec e outros subsidiários ou complementares da revelação espirita, tendo em vista a sua progressividade e assegurada a liberdade de discussão”.(grifamos)
 
[7] SOUZA. Juvanir Borges de. Escorço Histórico da Federação Espírita Brasileira - Aspectos Marcantes de Sua Trajetória. 1ª ed., FEB, 1989, p. 17.

[8] Ob. Cit., p. 17.

[9] “Art. 68. As associações espiritas do Brasil, que desejarem filiar-se à Federação, deverão, no acto de o solicitar, enviar um exemplar dos seus estatutos, ou pelo menos o programma por extenso dos seus trabalhos, afim de, examinados pela directoria, e verificando estarem de acordo com os intuitos da Federação, serem ellas inscriptas, recusando-se, porém, a inscripção no caso contrario.
Art. 69. Nos Estados, em cujas capitaes existam Centros de propaganda regularmente constituídos, filiados à Federação, a directoria d´esta poderá ouvil-os para os effeitos de filiação das sociedades existentes no respectivo território.”
 
[10] “Art. 2º. Para o estudo a que se refere o §1º do artigo antecedente, a Federação realizará duas ordens de sessões:
A) Doutrinárias, nos dias e pelos modos indicados no Regimento interno, versando o estudo sobre as obras fundamentaes de Allan Kardec, de J. B. Roustaing e outras subsidiarias e complementares da revelação, tendo-se em vista a sua progressividade.”

[11] “Art. 62. A Livraria da Federação Espírita Brasileira é constituída com o capital de trinta e oito contos de reis (38:000$000) representado em dinheiro e effeitos existentes na data dos presentes Estatutos.
Art. 63. O capital acima será applicado à edição por conta própria e à compra de livros espiritas, tendo sempre preferência as obras fundamentaes de Allan Kardec e J. B. Roustaing”.
 
[12] “Art. 109. (...)
...
§3º. A representação do Espiritismo no Brasil pela Federação, em todos os actos e solenidades internacionaes (...).”
 
[13] “Art. 113. Do Regulamento a que se refere o art. 111 constarão, além das condições previamente exigíveis para o acto de adhesão, as obrigações que as Sociedades assumem com esse acto, os direitos que adquirem e também as causas que determinarão serem excluídas do quadro respectivo e o modo por que se procederá à exclusão.
§ Único. Uma vez posto em vigor o Regulamento, a Diretoria providenciará no sentido de uma revisão geral das filiações até então feitas, para tornal-as todas accordes com as normas aqui estabelecidas.
Art. 114.    Além dos casos especiais que o Regulamento considerar de exclusão, (...). Essa medida se tornará effectiva pela fórma que o aludido Regulamento determinar.”

[14] “Art. 123. (...)
...
§2º. A cada uma destas fica, entretanto, livre o adoptar, incluindo-a na sua lei orgânica, qualquer das conclusões votadas pelo Conselho. Cumpre-lhe, porém, nesse caso, proceder de acordo com o Regulamento de adhesão determinar acerca da reforma dos Estatutos das mesmas Sociedades, ulteriormente ao acto de adhesão”.

Obs: Este artigo teve trechos publicados originalmente no livro Autonomia - a história jamais contada do Espiritismo, de Paulo Henrique de Figueiredo

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Novos ares para o Espiritismo

6/2/2020

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Por Lucas Sampaio
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Não é necessário muito esforço para se constatar as enormes diferenças existentes entre o Espiritismo na atualidade e aquele do tempo de Allan Kardec. Espíritas mais atentos sentem que, desde que desencarnou o Prof. Rivail, houve um grave desvio de rota que culminou na desfiguração e no desvirtuamento da Doutrina e do movimento espírita. Para nossa surpresa, acontecimentos recentes vieram apontar para um novo horizonte, no qual a proposta espírita redescobre seu significado original e reencontra toda sua força.

Marco fundamental desse processo é a obra Revolução Espírita, de Paulo Henrique de Figueiredo, que revela o esquecido contexto cultural em que surgiu o Espiritismo. Tratava-se de um movimento que, dentro da universidade na França, produziu uma psicologia experimental espiritualista e um Espiritualismo Racional que vieram a constituir o pensamento oficial durante a primeira metade do século XIX naquele país, favorecendo o surgimento da Doutrina Espírita. Essas denominadas “ciências filosóficas”, que afirmavam o Homem como uma alma encarnada, adotavam o que Kardec denominava “moral da liberdade”, hoje conhecida como “moral autônoma”.

Era uma contraposição aos sistemas de moral heterônoma do dogmatismo religioso e do materialismo científico, que consideram que os atos humanos são determinados exclusivamente por fatores externos, como punições e recompensas, dor e prazer. Através dos milênios, esses sistemas, em suas mais diferentes manifestações, produziram as estruturas de privilégios e dominação social através da obediência passiva, da competição e do uso da força, anulando as capacidades do Homem e tornando-o submisso.

Por outro, a moral autônoma, levada pelo Espiritismo às suas últimas consequências, apresenta o Ser liberto daquelas antigas amarras ao ensinar que cada um traz em si mesmo os elementos de sua própria felicidade ou infelicidade futura e os meios de adquirir uma e de evitar outra, trabalhando em seu próprio adiantamento. Para o Espiritismo, as faculdades da alma (razão, consciência, vontade e livre-arbítrio) são conquistas evolutivas do Ser que permitem o gradual conhecimento das leis da alma, desde que o Espírito surge, simples e ignorante. Aos poucos, elas permitem ao Homem estabelecer sua responsabilidade, e demonstram-lhe onde está seu verdadeiro interesse. Os sofrimentos não são mais compreendidos como castigos, mas como oportunidades de progresso. O ato do dever, livre, voluntário e consciente, é o meio de conquistar gradualmente a felicidade, e a caridade não é mais uma palavra vazia.

Esses conhecimentos são as verdadeiras pedras de toque que permitirão ao espírita não somente compreender melhor diversos ensinamentos dos Espíritos, como também entender a efetiva força da Doutrina no sentido de superar o desânimo e promover uma verdadeira revolução moral na Humanidade por meio da liberdade e da cooperação, sobre as quais se poderá construir um sólido edifício social, em oposição aos falidos sistemas de salvação através de práticas supersticiosas ou de utopias políticas.

Esse fundamental movimento de restabelecimento da Doutrina ganhou grande impulso com a denúncia da adulteração de A Gênese, de Allan Kardec, pelo inestimável trabalho da diplomata e pesquisadora Simoni Privato Goidanich, na obra O Legado de Allan Kardec. Esse livro, que já nasceu um clássico, teve o mérito de combinar, com profundidade, a análise histórica, jurídica e doutrinária das questões envolvidas, permitindo que órgãos espíritas no Brasil e em todo o mundo adotassem a edição original de A Gênese, com a mensagem da moral autônoma.

Enfim, restaurada essa obra também no Brasil, a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) anunciou no mesmo dia o recebimento do famoso acervo de Canuto Abreu contendo centenas de manuscritos originais de Allan Kardec. Esses documentos, que logo serão abertos ao público através de um portal num convênio com uma universidade federal, permitirão aos espíritas não somente descobrir a verdadeira história do Espiritismo, como também auxiliar no resgate de seus verdadeiros princípios.

A atual geração de espíritas é chamada a integrar esse irresistível movimento progressivo para revisitar e ressignificar antigos conceitos e levantar ainda mais alto a bandeira do Espiritismo, para que todos possam avistá-la e seguir sua mensagem libertadora!


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Sobre a 5a edição clandestina de A Gênese de 1869

3/2/2020

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Por Paulo Henrique de Figueiredo
Foi encontrado um exemplar da 5a edição de La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme, que possui em sua capa o ano de 1869. Uma relevante descoberta, que está relacionada com a questão da adulteração da obra em 1872.

Já sabíamos da existência dessa edição desde o ano passado e passamos a estudar profundamente o contexto desse fato novo. Todavia, seria impossível para a Simoni Privato Goidanich citar essa edição em sua obra O Legado de Allan Kardec, quando pesquisou os documentos na França, pois ela é não só uma adulteração, mas também clandestina! Vamos demonstrar.

Compare a 4a edição e a 5a edição de A Gênese, ambas de 1869. Simplesmente analisando os detalhes das duas capas, já se pode deduzir informações importantes.

O pedido de impressão da 4a edição foi feito em 4 de fevereiro de 1869. Allan Kardec pediu que fizessem 2.000 exemplares. Todavia, por desencarnar em 31 de março, no mês seguinte, não pode anunciar essa reimpressão na Revista Espírita. Ele morreu antes do estabelecimento da Livraria Espírita, em seu novo endereço. Por isso, indica na capa, como em todos as suas edições: “bureau de la Revue Spirite, 59, rue et passage Ste-Anne”.

Veja agora a 5a edição de 1869 agora encontrada, na capa: “Librairie Spirite et des Sciences Psychologiques”, em “7, rue de Lille”. Isso registra que essa edição foi publicada pelos continuadores responsáveis pela livraria após a morte de Kardec, ou seja, em data posterior à sua morte. Assim sendo, não foi publicada por Allan Kardec!

E quanto aos documentos legais desta 5a edição que confirmariam oficialmente todas as informações sobre ela, existem? Não existem. Simplesmente, após uma pesquisa minuciosa tanto na Biblioteca Nacional quanto nos Arquivos Nacionais da França, empreendidos por mais de uma vez este ano, por pessoas diferentes, confirmam que NÃO existe nem pedido de impressão nem depósito legal. Como se trata de conteúdo novo em relação à edição original, seria obrigação legal fazer tanto o pedido ao Ministério do Interior como depositar um exemplar na Biblioteca. Temerariamente, nada disso foi feito! Trata-se de uma edição clandestina! Poderíamos até dizer, criminosa.

Nada foi noticiado na Revista Espírita sobre essa nova edição revista, corrigida e aumentada. Nem uma nota. Quando seria fundamental avisar aos espíritas sobre isso! Kardec não o fez, pois foi posterior à sua morte. Os responsáveis pela livraria não o fizeram, pois se tratava de uma edição adulterada e clandestina.

Há uma menção a essa edição clandestina de A Gênese de 1869. E é a única. Está na referência das obras de Allan Kardec em Le Livre des Médiums, edição 11a. na contracapa foi grafado: “ La Genèse, les miracles et les prédictions selon le Spiritisme, 1 vol., in-12, 5e édition”. Temos a declaração do impressor e depósito legal dessa edição de O Livro dos Médiuns: Declaração de impressor em 09/07/1869 e depósito legal em 16/07/1869. Ou seja, a única menção sobre essa quinta edição clandestina de A Gênese de 1869 foi feita somente em julho de 1869, quatro meses após a morte do professor Rivail. Pelos mesmos responsáveis por essa edição clandestina de A Gênese!

Como essa edição de A Gênese de 1869 foi, além de adulterada, também clandestina, o que fez Leymarie quando precisava publicar uma edição nova da obra em 1872? Ele Sabia que a 5a de 1869 era falsa, pois, tratando-se de um conteúdo novo, teve que fazer um depósito legal em 23/12/1872. Deveria ter declarado tratar-se de uma sexta edição. Revela sua culpa, ao repetir a numeração, omitir o ano na capa e publicar essa nova como sendo novamente 5a edição!

A garantia da autenticidade da obra e de que seu conteúdo de fato espelha a vontade do autor repousa sobre o preenchimento dos requisitos formais de autorização de impressão e do depósito legal. Sem isso, seu conteúdo é falso, apócrifo, segundo a legislação da época. Alguém imagina, por absurdo, que o professor Rivail, tão cuidadoso com todos os seus documentos e sem nunca ter incorrido em qualquer ilegalidade em suas publicações, faria uma edição sem registro oficial? Portanto ilegal, clandestina e toda modificada? Sem avisar ninguém pela Revista Espírita? Está claro que ele pretendia fazer modificações nesse livro segundo os seus manuscritos, mas não o fez até a sua morte. Nem foram certamente essas falsas que encontramos nas edições adulteradas.

Conclusão: tudo o que a Simoni Privato afirmou em sua obra está vigente e intocável. apenas se acrescenta que a conspiração para adulterar a obra de Allan Kardec já se iniciou logo após a sua morte, alguns meses depois, por aqueles, como Desliens, que passariam o bastão do desvio para Leymarie desde 1871.

Temos muitas outras informações e documentos sobre o caso. Mas uma investigação adequada deve ser divulgada publicamente somente quando todos os fatos e detalhes estão apurados e esclarecidos ao máximo. Uma conclusão precipitada serve apenas para causar dúvidas, polêmica e divisão. Nada disso interessa à divulgação do Espiritismo. Portanto, vamos voltar ao assunto somente daqui a algumas semanas, quando vamos apresentar trabalho completo, como já havíamos planejado anteriormente.

Esperamos, assim, contribuir com os estudos desta Doutrina libertadora que não nos pertence, mas sim aos espíritos superiores que deram seus ensinamentos. Nós, espíritas, somos todos estudantes, e devemos divulgar e restabelecer a teoria original de Allan Kardec, com o objetivo de colaborar com a regeneração da humanidade. Os tempos estão chegados!

Março de 2020.

* Paulo Henrique de Figueiredo é pesquisador e escritor espírita, autor de Mesmer,
a ciência negada do magnetismo animal; Revolução espírita, a teoria esquecida de Allan Kardec e Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo


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Alterações realizadas em A Gênese após a sucessão hereditária de Allan Kardec. Depósito Legal e a alteração de conteúdo. Direito Moral e a garantia da integridade da obra

1/6/2020

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 Júlio Nogueira 

No ano de 2018 veio à tona interessante debate sobre alterações realizadas na 5ª edição francesa do livro “A Gênese”, obra de Allan Kardec publicada após sua desencarnação no ano de 1872 em Paris, por Pierre-Gaëtan Leymarie.
 
No livro “O Legado de Allan Kardec”, a pesquisadora Simoni Privato Goidanich demonstra através de provas obtidas junto aos Arquivos Nacionais da França e na Biblioteca Nacional da França[1], que 03 (três) anos após a desencarnação de Allan Kardec, de forma clandestina, sem conhecimento dos espíritas em geral, e até mesmo da esposa e única herdeira de Allan Kardec, foram realizadas naquela 5ª edição francesa 282 alterações do seu texto inicial.[2]
 
Colocados tais fatos, há interesse em examinar as questões do depósito legal da obra e do direito moral frente ao direito autoral, já que ambas questões geram efeitos na situação em discussão.
 
O sistema de depósito legal tem sua origem em França quando, em 1537, o rei Francisco I, através da Ordonnance de Montpellier, decretou como expressamente proibida a venda de livros, a todas as impressoras e livreiros do reino, dos quais não tivesse sido entregue ao menos um (01) exemplar à biblioteca real do Castelo de Blois.
 
A Ordonnance tinha por objetivo tanto a identificação de obras dignas de memória quanto a contenção da disseminação de ideologias protestantes através do controle do sistema de impressões do reino.
 
A partir do século XIX, o Decreto Imperial Francês de 05/02/1810, sob o pretexto de conferir a função de proteção à propriedade literária, reformulou a utilização do sistema da autorização prévia e depósito legal, respectivamente, como instrumento de controle da impressão e da comercialização das obras impressas.
 
Posteriormente, com a implementação da Convenção de Berna, em 1886, todos os países signatários, entre os quais a França e o Brasil, buscaram uma forma mais racional de proteção ao direito autoral sem, no entanto, deixar de utilizar o depósito legal para formar um acervo cultural nacional.
 
Na situação específica da 1ª edição francesa do livro A Gênese, o tipografo de Allan Kardec providenciou junto ao Ministério do Interior da França a autorização mediante a declaração n° 9460, de 07/10/1867, através da qual manifestou a intenção de imprimir 3000 exemplares. Como não houve oposição por parte de nenhum dos ministros, foi então autorizada a sua impressão. Foi realizado daquela obra o depósito legal n° 61, de 04/01/1868, dois dias antes que o livro estivesse disponível para venda.[3]
 
Já na 5ª. edição francesa, o tipógrafo foi encarregado por Pierre-Gaëtan Leymarie para providenciar a citada autorização mediante declaração n° 10769, de 19/12/1872, através da qual manifestou a intenção de imprimir 2000 exemplares de uma edição que havia sido “revista, corrigida e aumentada”. Por isso, como o conteúdo da 5ª. edição era diferente daquele da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª edições, fez-se necessário realizar um novo registro oficial dessa 5ª. edição do livro A Gênese, o que foi feito através do depósito legal n° 9181, de 23/12/1872.[4]
 
Tudo isso evidencia e comprova que, ao ser realizado um novo depósito legal do livro, em 23/12/1872, está-se diante de uma obra nova (revisada, corrigida e aumentada), e, portanto, similar, mas, ainda assim, diversa da original.
 
O problema dos mais graves que se impõe a esta questão é que Allan Kardec faleceu em 1869, mas agora se sabe que o requerimento de autorização de publicação e depósito legal da obra alterada foi realizado 1872, ou seja, mais de 03 (três) anos depois do seu falecimento, quando houve a solicitação de autorização para publicação e o depósito legal dessa 5ª. edição francesa do livro A Gênese, o que inviabiliza a informação que até então circulava que teria sido Allan Kardec quem supostamente teria solicitado pessoalmente das autoridades públicas francesas a autorização para a impressão e realizado o depósito legal dessa obra modificada.
 
Some-se ainda a esta questão de alta gravidade outro fato relevante, que é a completa ausência da informação na sucessão hereditária de Allan Kardec sobre uma suposta autorização dele para que se fizesse alteração de conteúdo no livro A Gênese, pois em França, desde aquela época, a alteração de uma obra após a morte do autor só poderia ser realizada mediante autorização expressa deste mesmo autor apurada na sua sucessão hereditária.[5] No caso examinado não se vê no testamento[6] ou no inventário[7] de Allan Kardec qualquer respaldo jurídico, autorização ou ainda simples menção sobre a publicação de nova edição de A Gênese com revisões, correções e alterações, até mesmo porque em nenhum desses instrumentos sucessórios foi evidenciada qualquer instrução para que, após a morte de Allan Kardec, houvesse a publicação do livro A Gênese revisado, corrigido e aumentado.
 
Portanto, como o falecimento, o testamento e o inventário de Allan Kardec ocorreram antes do pedido de autorização para publicação e o depósito legal da 5ª edição de A Gênese, e neles não havia qualquer menção de autorização para publicar obra com revisões, correções e alterações, é possível extrair as seguintes conclusões: a) Não foi Allan Kardec quem solicitou a autorização de publicação e o depósito legal da 5ª edição; b) As alterações realizadas em A Gênese após o falecimento de Allan Kardec somente poderiam ser consideradas juridicamente válidas como originadas da vontade deste, se no procedimento sucessório fosse apresentada a autorização ou indicativo apto a reconhecer estas alterações como vontade do autor; c) Na situação examinada não foram apresentados no testamento ou inventário qualquer autorização ou indicativo que apontasse no sentido de que as alterações seriam da vontade de Allan Kardec.
 
Deste modo, resta agora enfrentar o direito moral como garantia da integridade da obra original aplicada mesmo no caso de obras que caíram em domínio público, como é o caso do livro A Gênese.
 
O direito moral em matéria de direito autoral é identificado através do aspecto da idoneidade do conteúdo da obra ou do artista. A isso se denomina ato de criação ou fato gerador do direito moral, o qual impede qualquer alteração à obra original via acréscimo ou supressão não autorizada pelo autor, e garante ainda ao autor o direito de ter o seu nome creditado junto a ela. Tem, portanto, duplo objetivo: o de identificar o seu autor e o de levar ao conhecimento do consumidor a criação, tal como por ele concebida, pois somente é dado ao autor o direito de alterar a sua própria obra.
 
Portanto, as prerrogativas do direito moral, de respeito e de paternidade subsistem mesmo depois da morte do seu autor, a fim de garantir a preservação da obra contra tentativas de alteração, de má utilização ou de supressão no nome do autor.
 
Nem aquela presunção de que os herdeiros e sucessores do autor sejam as pessoas mais indicadas para velar pelo resguardo da integridade e genuinidade da obra resulta verdadeira, já que são bastante numerosos os casos em que aqueles não manifestam a necessária isenção de ânimo, compromisso com o sucedido ou superioridade intelectual indispensável para dar fiel cumprimento às intenções do criador da obra, não faltando mesmo os que vejam aí uma oportunidade para dar vazão a sentimentos de hostilidade, de desrespeito, ou simplesmente concedam primazia às suas preferências, nem sempre em harmonia com a intenção do falecido.
 
É importante fixar que uma legislação ciosa do patrimônio intelectual dos seus jurisdicionados deve proteger o direito moral post mortem, de maneira a garantir a proteção das obras sem a vontade ou mesmo contra a vontade dos herdeiros ou cessionários, porque a personalidade do autor sobrevive para o direito através da obra da qual é a sua emanação. Para realizar a proteção das obras mesmo após a morte do autor foi que o Homem lançou mão do direito moral e encarregou-lhe dessa missão póstuma.
 
Reconhece-se ordinariamente que uma obra caiu em domínio público quando ultrapassado em média de 50 (cinquenta) a 70 (setenta) anos após a morte do seu autor, a depender da legislação vigente em um país.
 
No entanto, ainda assim, no âmbito internacional, a UNESCO realizou no ano de 1979, em Paris, uma discussão para aplicar no Direito Internacional parâmetros com vistas a preservar o direito moral do autor e o consequente respeito e à integridade das obras caídas em domínio público, tendo já naquela época concluído que: [8]
 
- A expiração do prazo de proteção ao direito de autor e, portanto, o fato de que as obras do espírito caiam no domínio público, não deve ser considerado como licença para que as obras sejam desfiguradas.
1 — com referência ao autor: preservação da paternidade da obra e de sua integridade, os «condensados», adaptações ou quaisquer outros tipos de modificação do original, deverão ser claramente indicados ao público;
2 — com relação ao público: preservação de seus direitos de livre acesso à informação e, sobretudo, à informação correta;
3 — sobre as futuras gerações: no sentido de que lhes seja resguardado o acesso a obras não deturpadas e que, através da mensagem cultural autêntica dos autores do passado, o patrimônio mundial seja protegido.
 
Assim, é aplicável no caso examinado o direito moral como garantia da integridade da obra, mesmo quando se trata de obra submetida a domínio público, como é o caso do livro A Gênese. No caso, atendendo a este direito, deve ser obstada a circulação dos livros A Gênese que estejam tomando como base a 5ª edição francesa, e, também, as traduções nela baseadas. Sucessivamente, caso não se mostre aplicável essa medida, entendemos que ainda assim é imprescindível aderir à recomendação da UNESCO quanto à transparência e ao direito de informação ao consumidor/leitor, evitando futuros litígios, e para tanto deverá ser incluída nas obras derivadas da 5ª edição francesa, inclusive nas traduções, a seguinte informação de forma destacada: “Obra contendo diversas revisões, correções e alterações do original realizadas por conta e ordem do Sr. Pierre-Gaëtan Leymaire, no ano de 1872, sem a aprovação ou supervisão do Sr. Allan Kardec, que a esta época já havia falecido”. 


Júlio Nogueira é Presidente do TELMA - Teatro Espírita Leopoldo Machado (Salvador–BA); Advogado; Membro da ABPI – Associação Brasileira de Propriedade Intelectual e da LIDC – Ligue Internationale du Droit de la Concurrence.

[1] GOIDANICH, Simoni Privato. O Legado de Allan Kardec, 1ª. ed., USE/CCDPE, 2018, pp. 163/166.

[2] Op. Cit., pp. 167/168.
 
[3] Op. Cit., pp. 80/81.

[4] Op. Cit., pp. 164/166.
 
[5] MENEZES, Joyceane Bezerra de e Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Junior, “LIMITES AO DIREITO AUTORAL POST MORTEM”, in Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, 2012, v. 11, n. 11, p. 415.

[6] Op. Cit., pp. 115/117.

[7] Op. Cit., pp. 124/125.

[8] CHAVES, Antônio. O Direito Moral após a Morte do autor. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 298, n. 83, p. 428-429, 1987.
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Artigos de Bernardo para o Site do Telma

4/8/2019

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Abaixo disponibilizamos artigos escritos por Carlos Bernardo Loureiro para o site do Teatro Espírita Leopoldo Machado no período de 2003 a 2006. 

Esses artigos marcam a fase mais independente, crítica e irônica do pensamento do polemista, conhecido pela sua capacidade de questionar o senso comum de forma extremamente inteligente.

Neles, predominam temas relacionados ao movimento espírita e seus desvios doutrinários, como a autoajuda, o religiosismo etc.. Boa leitura!

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Dialética Espírita

2/4/2019

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Por Carlos Bernardo Loureiro
Tudo quanto existe, do átomo ao homem, segue uma trajetória que se perde no infinito, observada tanto no passado como no porvir. Essa trajetória, porém, tem uma linha progressista ascendente. Isso quer dizer, de conformidade com a dialética espírita, que todas as coisas e seres estão em constante transformação, que não ocupam um determinado e prefixado lugar, que marcham para estados melhores, estados que conquistarão no tempo e no espaço. Basta observar-se as pronunciadas diferenças que a História registra, no que se refere às plantas, aos animais e aos homens, para que se deduza rapidamente que as formas se vão sutilizando, perdendo a casca e a rudeza primitivas, idealizando-se e seguindo sempre para um fim superior que as orienta nesse processo formidável e eterno! Os Espíritos, encarnados ou não, marcham, também, para a conquista de planos cada vez melhores e, pela Lei Suprema, lutam constantemente para desenvolverem os germes divinos que aninham em sua essência imortal. Conclui-se, daí, que a lei de causa e efeito, aplicada ao progresso, não é fatalista e nada tem que ver com o  “olho por olho, dente por dente”, predicado no passado bíblico. É claro, é evidente que os seres trazem sua herança espiritual e que pesa sobre eles um determinismo. Mas, também é certo que os seres voltam para tomar formas, a fim de poderem conquistar novos planos, num batalhar tremendo contra a ignorância, contra a dor e contra todas as negações da miséria física e moral. Se as cadeias a que estão atadas as ações e reações se compusessem de argolas exatamente iguais, constituídas de material grosseiro e rude, o processo de evolução careceria de energia estimuladora e progressista. Se tivéssemos que ser vítimas pelas vítimas que fizemos em nosso passado palingenésico, a Lei de Causalidade teria que criar novos verdugos para o nosso castigo. Esses verdugos, por sua vez, em futuro não muito remoto, teriam que ser vítimas de outros verdugos... e assim por todo o sempre. Tal encadeamento, porém, não condiz com a lógica e, o que é mais grave, não se ajusta à lei do progresso. Não é absolutamente necessário que cada ato do Espírito origine outro ato análogo, nem que cada situação social do passado exija condição oposta. É ridículo, absurdo e sem o mais elementar raciocínio, pensar-se que os pobres de hoje são os ricos de ontem, que o ignorante é o sábio de outrora, que o feio antes foi belo e que o inválido fez abusivo emprego de sua força física. A evolução, ao contrário, faz com que cada ato repercuta especialmente no foro íntimo de cada criatura, na consciência do indivíduo, onde se inscreve, indelevelmente, a Lei Divina. Quando o homem começa a compreender através da dor, filha direta da ignorância, abre-se a seus passos, dialeticamente, o caminho da Sabedoria e se desenvolve, aos poucos, a sua vontade. E enquanto começa o despertar de sua consciência, compreende que aquilo que realizou e fez no passado, que tudo quanto serviu, para prejudicar seus semelhantes, pode-se transformar pelo amor, pelo sacrifício e pela virtude; principia, assim, o seu peregrinar pelas estradas da libertação. Constituir-se-á, então, o homem em paladino das causas nobres e justas; defende a cultura, estimula a vontade; trabalha e luta pelo melhoramento das condições de vida de seu próximo; repele os crimes; combate todas as formas de escravidão e edifica, dentro de si mesmo, uma personalidade criadora, ao lado de uma moral dinâmica. Seus pensamentos, destarte, despertaram para novas verdades...

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O Ideal Enxerga-se por Clareiras que dão para o Infinito

8/12/2018

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Por Carlos Bernardo Loureiro

Não há filosofia autêntica enquanto o Espírito não se dobra sobre si mesmo, a fim de se examinar, afirma Will Durant, provavelmente com o pensamento voltado para o conhece-te a ti mesmo, sentença insculpida no frontispício do Templo de Apolo, em Atenas, adotada por Sócrates, nascido em Alópece, Ática, 470 e desencarnado em Atenas, 399 a.C.

Antes do filósofo alopecense, porém, despontaram pensadores tais como Tales de Mileto, Parmênides e Empédocles. Mas, na sua maioria, foram filósofos-físicos. As suas idéias, embora brilhantes, prendiam-se à physis, ou ao mecanismo das leis que regem o mundo mensurável. Sócrates, todavia sugeriu um mergulho alma adentro, na tentativa de se saber que era o homem, sua origem e seu destino. Formulou a respeito hipóteses e discutiu certezas. E se os homens de sua época discorriam sobre justiça, ele indagava: “Que é isso? Que significam essas palavras abstratas, por meio das quais se explicam, tão facilmente, os problemas da vida e da morte? Que entendem vocês de si mesmos?”

A essas solicitações do filósofo, argumentava-se que ele perguntava mais do que respondia, criando perplexidade e confundindo os espíritos. Essas e outras posturas levaram-no a enfrentar, compulsoriamente, mas com serenidade, a morte, que ele julgava a convalescença da doença da vida.

Sócrates imaginava edificar um Sistema Moral absolutamente independente de doutrinas religiosas que pudesse conduzir os homens (sem idolatria) à convivência pacífica, corolário do progresso ético e intelectual. Neste particular, guardadas pálidas proporções, o pensamento filosófico de Sócrates se identifica, eletiva e espiritualmente com o de Jesus. Numa sociedade organizada segundo as postulações socráticas, seria restituída ao indivíduo a liberdade que lhe fora usurpada pelo Estado. Sócrates entendia que a liberdade é a consciência; é o próprio homem; é o princípio divino do existir; é o único bem, cujo sacrifício, o Estado não pode reclamar. Ela é, enfim, a expressão de uma necessidade orgânica das relações do homem com o homem.

Segundo Heinrich Maier, a peculiar grandeza de Sócrates não se pode medir pela pauta de um pensador teórico. É importante encará-lo como o criador de uma atitude humana que definiu o apogeu de uma longa e laboriosa trajetória e libertação moral do homem por si próprio. Sócrates proclama o evangelho do domínio do Homem sobre si mesmo e da autarquia [1] da personalidade moral.

O princípio socrático do domínio interior do Homem tem implícito um novo conceito da liberdade. Sócrates fez da liberdade um problema ético, problema desenvolvido com intensidade diferente pelas escolas socráticas. De par com o desenvolvimento do conceito de domínio de si próprio (enkratia), vai se formando um novo conceito de liberdade interior [2].

Considera-se livre o homem que representa a antítese daquele que vive escravo dos seus próprios apetites. Fundamentalmente, portanto, a autonomia moral no sentido socrático significa a independência do Homem em relação à parte animal da sua natureza. Esta autonomia não está em contradição com a existência de uma lei cósmica em que este fenômeno moral do domínio do Homem sobre si mesmo se enquadre.

Outro conceito relacionado com este é o da autarquia, a ausência da necessidade. É, sobretudo em Xenofonte, provavelmente sobre a impressão das obras de Antístenes, que este conceito vigora com expressividade. Em contrapartida, este traço é menos acentuado em Platão, apesar do que se não pode duvidar da sua autenticidade histórica. Mais tarde desenvolveu-se de preferência na direção da ética pós-socrática, onde se constitui em critério decisivo do verdadeiro filósofo; nem em Platão nem em Aristóteles, porém, este traço deixa de aparecer na imagem da eudemonia filosófica [3].

A autarquia do sábio fez reviver no plano espiritual um dos traços fundamentais do antigo herói do mito helênico, representado pela figura de Héracles nos seus “trabalhos”, precisamente por ele “ajuda a si próprio”. A primitiva forma heróica deste ideal baseava-se na força do herói, que o fazia sair vencedor da luta contra os poderes inimigos, contra Espíritos malignos, etc.  Esta força converte-se em força interior, a qual só é possível com a condição de o Homem limitar os seus desejos e aspirações ao que está realmente ao alcance de seu poder. O Homem deve aprender a dominar os monstros selvagens dos instintos, dentro de si próprio, dando lugar à sua espiritualidade.

Sócrates estava simplesmente além de seu tempo (e do nosso tempo). A sua visão de existência e de sociedade transcende os limites impostos pelo sistema, e se projeta incorruptível, no íntimo dos mais lídimos anseios de Justiça. O filósofo pensava como Espírito e se dirigia a Espíritos; daí decorriam os conflitos, suscitados pelas suas ideias.

Em suma: a mensagem do mestre de Platão é a representação viva do Ideal. E como afirma Rui (o nosso Sócrates): “O Ideal não se define, enxerga-se por clareiras que dão para o Infinito!”
 
Fonte: Jornal  Suplemento Literário (Agosto de 1996)

[1] O substantivo autarquia não aparece em Xenofonte. O adjetivo autárquico figura numa passagem da Ciropédia e em quatro passagens das Memoráveis, como sentido filosófico de ausência de necessidades. Platão menciona a autarquia como parte da perfeição e beatitude do cosmo, e em Filebo, como qualidade fundamental do bem.

[2] Ao investigar todo o desenvolvimento da ética filosófica dos gregos a partir da socrática, H. Gomperz (Die Lebensauffassung der Griechschen Philosophen und das Ideal der Inneren Freilheit) lançou meridiana luz sobre a incontestável importância histórica de idéia da liberdade interior e, ao mesmo tempo, contribuiu essencialmente para a compreensão do pensamento do grande filósofo.

[3]  Eudemonia filosófica: sistema de moral que tem por fim a felicidade do homem.


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Origem dos Vocábulos “Médium” e “Mediunidade” no Sentido Espírita

2/24/2018

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Por Lucas Sampaio

Deve-se ao genial polímata sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772) o primeiro uso das expressões “médium” e “mediunidade” em sentido mais próximo ao que lhes empresta o Espiritismo, mas ainda como "substância ou meio através do qual ocorre um fenômeno”, segundo informam o Dictionnaire Etymologique des Anglicismes et des Américanismes[1] de Jean-Paul Kurtz, e o Trésor de La Langue Française[2].

Embora seu sistema fosse teológico[3], místico e contivesse equívocos[4], nota-se inicialmente o uso da expressão a partir de 1749, em diversas tentativas imprecisas de identificar quais seriam os intermediários (“mediums” na tradução do latim para o inglês) entre Deus (ou o divino) e o mundo natural, como, por exemplo, os anjos, a “palavra” de Deus, os espíritos e o próprio Homem[5].

Finalmente, em 1759, ele afirma em sua obra “Céu e Inferno”: “Deve-se entender que o Homem é o meio pelo qual o mundo natural e o mundo espiritual estão unidos, isto é, o Homem é o meio de união [medium of conjunction], porque nele há um mundo natural e um mundo espiritual; Consequentemente, à medida que o Homem é espiritual (e não natural), ele é o meio de união (...); Porém, além desta mediação [mediumship] do homem, persiste um influxo divino no mundo e nas coisas humanas, mas não sobre a faculdade racional do homem”[6] (tradução livre).

Apesar dos vocábulos referirem-se à função do meio e ao ato da mediação e não à denominação subjetiva do medianeiro e seu atributo específico da mediunidade, é provável que palavras inglesas medium (médium) e mediumship (mediunidade) tenham assumindo vulgarmente esses significados a partir daí, em razão da grande popularidade do trabalho do vidente sueco entre muitos espiritualistas na Europa e na América dos séculos 18 e 19.

Mas foi a partir de 1848, com os eventos com as irmãs Fox e a organização do Espiritualismo Moderno, que pessoas capazes de se comunicar com os mortos passaram a ser designadas nos Estados Unidos como médiuns, como afirma J. Gordon na sua Encyclopedia of Occultism and Parapsychology[7] e como corrobora a pesquisadora francesa Marion Aubrée, acrescentando no Dictionnaire des Faits Religieux[8], que esse termo chegou em França com os seus primeiros divulgadores, por volta de 1852.

Diversas comunicações relevantes com o nome de Swedenborg foram registradas mais tarde, sempre relacionadas ao surgimento do movimento espiritual racionalista que se viria a implantar: Andrew Jackson Davis (1844), Alphonse Cahagnet (1847) e Allan Kardec (1857). Provavelmente ali se manifestava o próprio, dado o conteúdo e o propósito demonstrados.

Swedenborg não foi um pesquisador da mediunidade – não se propunha a isso – e parece não ter conhecido outros fenômenos mediúnicos além daqueles que protagonizou. Conforme assinala Carlos Bernardo Loureiro, “na verdade, Swedenborg era simplesmente um médium vidente e um escritor intuitivo, como os há aos milhares, faculdade que pertence ao rol dos fenômenos naturais”[9].

O suficiente para, com seu grande trabalho, imprimir novo significado ao vocábulo e lançar novas e fecundas luzes sobre o terreno do conhecimento espiritual, preparando-o para descobertas mais consistentes que se avizinhavam.

Colaborou Herivelto Carvalho


[1] Dictionnaire Etymologique des Anglicismes et des Américanismes – Jean-Paul Kurtz - BoD - Books on Demand, vol. 2, 2013

[2] Le Trésor de La Langue Française informatisé – www.atilf.fr – consultado em 22/06/2017

[3] O conceito swedenborguiano era próximo à ideia de “dons da graça”

[4] Além de seu sistema de correspondências não se ter confirmado através do método de Kardec, comunicações mediúnicas com a assinatura de Swedenborg na RE de nov/1859 indicavam que o mesmo o reconheceu como ficção.

[5] Arcana Coelestia – Emanuel Swedenborg, 1749-1756

[6] Heaven and Hell – Emanuel Swedenborg, 1759, trad. do latim para o inglês por John C. Ager

[7] Encyclopedia of Occultism and Parapsychology – J. Gordon Melton, Gale Group, 2001

[8] Dictionnaire des Faits Religieux – Régine Azria e Danièle Hervieu-Léger, Presses Universitaires de France, 2010

[9] Vida e Obra dos Espíritos que assinaram os prolegômenos do Livro dos Espíritos – Carlos Bernardo Loureiro – Teatro Espírita Leopoldo Machado – Salvador-BA

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