Por Lucas Sampaio
Não é necessário muito esforço para se constatar as enormes diferenças existentes entre o Espiritismo na atualidade e aquele do tempo de Allan Kardec. Espíritas mais atentos sentem que, desde que desencarnou o Prof. Rivail, houve um grave desvio de rota que culminou na desfiguração e no desvirtuamento da Doutrina e do movimento espírita. Para nossa surpresa, acontecimentos recentes vieram apontar para um novo horizonte, no qual a proposta espírita redescobre seu significado original e reencontra toda sua força.
Marco fundamental desse processo é a obra Revolução Espírita, de Paulo Henrique de Figueiredo, que revela o esquecido contexto cultural em que surgiu o Espiritismo. Tratava-se de um movimento que, dentro da universidade na França, produziu uma psicologia experimental espiritualista e um Espiritualismo Racional que vieram a constituir o pensamento oficial durante a primeira metade do século XIX naquele país, favorecendo o surgimento da Doutrina Espírita. Essas denominadas “ciências filosóficas”, que afirmavam o Homem como uma alma encarnada, adotavam o que Kardec denominava “moral da liberdade”, hoje conhecida como “moral autônoma”.
Era uma contraposição aos sistemas de moral heterônoma do dogmatismo religioso e do materialismo científico, que consideram que os atos humanos são determinados exclusivamente por fatores externos, como punições e recompensas, dor e prazer. Através dos milênios, esses sistemas, em suas mais diferentes manifestações, produziram as estruturas de privilégios e dominação social através da obediência passiva, da competição e do uso da força, anulando as capacidades do Homem e tornando-o submisso.
Por outro, a moral autônoma, levada pelo Espiritismo às suas últimas consequências, apresenta o Ser liberto daquelas antigas amarras ao ensinar que cada um traz em si mesmo os elementos de sua própria felicidade ou infelicidade futura e os meios de adquirir uma e de evitar outra, trabalhando em seu próprio adiantamento. Para o Espiritismo, as faculdades da alma (razão, consciência, vontade e livre-arbítrio) são conquistas evolutivas do Ser que permitem o gradual conhecimento das leis da alma, desde que o Espírito surge, simples e ignorante. Aos poucos, elas permitem ao Homem estabelecer sua responsabilidade, e demonstram-lhe onde está seu verdadeiro interesse. Os sofrimentos não são mais compreendidos como castigos, mas como oportunidades de progresso. O ato do dever, livre, voluntário e consciente, é o meio de conquistar gradualmente a felicidade, e a caridade não é mais uma palavra vazia.
Esses conhecimentos são as verdadeiras pedras de toque que permitirão ao espírita não somente compreender melhor diversos ensinamentos dos Espíritos, como também entender a efetiva força da Doutrina no sentido de superar o desânimo e promover uma verdadeira revolução moral na Humanidade por meio da liberdade e da cooperação, sobre as quais se poderá construir um sólido edifício social, em oposição aos falidos sistemas de salvação através de práticas supersticiosas ou de utopias políticas.
Esse fundamental movimento de restabelecimento da Doutrina ganhou grande impulso com a denúncia da adulteração de A Gênese, de Allan Kardec, pelo inestimável trabalho da diplomata e pesquisadora Simoni Privato Goidanich, na obra O Legado de Allan Kardec. Esse livro, que já nasceu um clássico, teve o mérito de combinar, com profundidade, a análise histórica, jurídica e doutrinária das questões envolvidas, permitindo que órgãos espíritas no Brasil e em todo o mundo adotassem a edição original de A Gênese, com a mensagem da moral autônoma.
Enfim, restaurada essa obra também no Brasil, a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) anunciou no mesmo dia o recebimento do famoso acervo de Canuto Abreu contendo centenas de manuscritos originais de Allan Kardec. Esses documentos, que logo serão abertos ao público através de um portal num convênio com uma universidade federal, permitirão aos espíritas não somente descobrir a verdadeira história do Espiritismo, como também auxiliar no resgate de seus verdadeiros princípios.
A atual geração de espíritas é chamada a integrar esse irresistível movimento progressivo para revisitar e ressignificar antigos conceitos e levantar ainda mais alto a bandeira do Espiritismo, para que todos possam avistá-la e seguir sua mensagem libertadora!